Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisa SANKOFA
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Científico

O Legado Malê na Formação dos Candomblés do Rio de Janeiro

Thamires Guimarães

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Resumo

Muito já foi dito a respeito da influência católica nos Candomblés no Rio de Janeiro. Em vista disto, a proposta deste trabalho é apresentar aquilo que ainda não foi dito sobre a presença do Islamismo praticado por comunidades negras, do início do século XX, chamado de Malê, na formação dos Candomblés da cidade. Para examinar as trocas culturais entre estes dois cultos, torna-se necessário “um retorno à Belle Époque carioca” afim de compreender as transformações urbanas que tinham por objetivo a “limpeza social”. Para tal, utilizo como base as crônicas de João do Rio (1976), que mantiveram um caráter denunciativo dos elementos indesejáveis que habitavam a cidade, além de demonstrar o diálogo que o Islamismo Malê tecia com os Candomblés. Estas duas religiões foram interpretadas como um “problema” para a “evolução” da sociedade brasileira, haja vista que foram ligadas à exploração, crimes, perversões, vícios e loucuras. A análise se dará levando em conta que o Islamismo malê era eivado de misticismos e seus sacerdotes eram conhecidos como grandes “feiticeiros”, sendo motivo de perseguição durante algum tempo no país. Algo já demonstrado por João José Reis (2003), pelo viajante Al- Baghdadi (2001) e por Arthur Ramos (1951). Alguns trabalhos acadêmicos foram tecidos em torno da influência Islâmica nos cultos afro pelo país, a pesquisa de Waldemar Valente (1957) e Lima (2009) explora esse contato no Xangô de Pernambuco, onde eles percebem as que características de Oxalá remetem diretamente ao Islamismo. A título de confirmação, tanto as roupas quanto algumas práticas relacionadas ao orixá, têm marcada a presença Malê. Gilberto Freyre (1995) também chega a observar algumas continuidades nos Candomblés do Rio de Janeiro com algumas práticas relacionadas ao Islã, como a confecção de mandingas e alguns “feitiços” de “fechar o corpo”. A proposta é repensar as trocas identitárias e o apagamento histórico que se abateu sobre as comunidades Malê da cidade, assim como sua resistência em continuidades dentro dos Candomblés, utilizando as perspectivas de Paul Lovejoy (2002) e Nielson Bezerra (2010). O suporte metodológico está concentrado na análise de jornais da época que constantemente traçavam diálogos entre o Islamismo Malê e os Candomblés do Rio de Janeiro. No dia 20 de Março de 1904 o jornal Gazeta de Notícias traz a “galeria dos feiticeiros” apresentando alguns dos principais sacerdotes da cidade e demonstra o diálogo entre a crença dos Alufás (muçulmanos) e os pais/mães de santo dos Candomblés.

Palavras-chave

Islamismo, Candomblé, Belle Époque, João do Rio

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